Memória
Como já vimos, a sensação e a perceção ligam o individuo ao meio. Contudo, a atividade cognitiva humana não faria sentido sem a capacidade de reter informação passada. Isto é a chamada memoria. É a nossa memória que retém conhecimentos, informações, ideias, acontecimentos, encontros, o que nos torna únicos e constitui o nosso património e identidade pessoal. Permite-me reconhecer-me apesar de ter mudado ao longo do tempo. Essencial á nossa sobrevivência, é a memória que nos permite, sempre que precisamos, atualizar a informação necessária para dar resposta aos desafios do meio. Aprendemos então a lidar com o meio e é a memória que atualiza, sempre que precisamos, os comportamentos aprendidos adaptados á situação.
Nas últimas décadas a memória tem sido alvo de investigações aprofundadas pela psicologia cognitiva e pelas neurociências, o que permitiu conhecer não só a complexidade dos processos inerentes á memória, como mostrar que está na base de todos os processos cognitivos. Aliás sem memória não há cognição.
Cabe ao cérebro selecionar o que é relevante para assegurar a própria sobrevivência do individuo e da espécie. Se registássemos e recordássemos todos os estímulos, seriamos incapazes de responder adequadamente ao que efetivamente é importante. O que o cérebro determina como importante, ou não, ocorre no processo percetivo propriamente dito e no processamento da informação:
- Codificar a informação sensorial: é a 1ª operação da memória que prepara as informações sensoriais para serem armazenadas no cérebro.
- Armazenar a informação: cada um dos elementos que constituem a memória está registado em várias áreas cerebrais, registado em diferentes códigos, contribuindo cada um deles para formar uma recordação.
- Recuperação: nesta etapa, recupera-se a informação, lembramo-nos, recordamo-nos, evocamos uma informação
As teorias da informação distinguem três compartimentos ou subsistemas - memoria sensorial, memória de curto prazo, memória de longo prazo.
- A memoria sensorial constitui a primeira etapa no estabelecimento de um registo duradouro das nossas experiências. Com a atenção, nós recolhemos do meio a informação que é transferida para a memoria a curto prazo.
- Na memória a curto prazo, conseguimos reter cerca de sete elementos que retêm a informação durante um período limitado de tempo, podendo ser esquecida ou passar para a memória a longo prazo, por exemplo digitos. Na memória a curto prazo, distinguem-se duas componentes: a memória imediata e a memória de trabalho.
Na memória imediata o material fica retido durante uma fração de tempo - cerca de 20 segundos. Na memória de trabalho o tempo pode-se alongar se repetirmos mentalmente a informação. Neste tipo de memória integram-se outros registos em que a informação se pode manter durantes horas. Qualquer informação que tenha estado na memória a curto prazo e que se tenha perdido estará perdida para sempre, só se mantendo - tendo em conta as experiências passadas- o que interessa passar para a memoria a longo prazo.
- A memória a longo prazo é um tipo de memória que é alimentada pelos materiais da memória a longo prazo que são codificados em símbolos. A memória a longo prazo retém os materiais durante horas, meses ou toda a vida. É esta que nos faz relembrar dos locais, nomes e caras de pessoas.
Distinguem-se dois tipos de memória a longo prazo que dependem de estruturas cerebrais diferentes: a memória declarativa (que inclui ações em que não pensamos- como a capacidade motora) e a memória não declarativa (que envolve as recordações). Daí aparecer associada ao termo "autobiografia", porque se reporta a lembranças da tua vida pessoal. É então uma memória pessoal que manifesta uma relação íntima entre quem recorda e o que se recorda.
A memoria humana está longe de ser um registo fotográfico fiel e objetivos de factos e acontecimentos pois inclui, por exemplo, esquecimentos e distorções. Geralmente, associa-se ao termo esquecimento um valor negativo, sendo, muitas vezes, considerado uma falha da memória. Contudo, o esquecimento é essencial, é uma própria condição da memória: é porque esquecemos que continuamos a reter informações adquiridas e experiências vividas. Seria impossível conservar todas as matérias que armazenamos, tendo o esquecimento a função de selecionar para podermos adquirir novos conteúdos. O esquecimento tem, assim, uma função seletiva e adaptativa: afasta a informação que não é útil e necessária. Podemos mesmo referir "Esquecer para recordar" pois, como já referi, o esquecimento é fundamental para a memoria, devido a ser necessário esquecer para se poder reter novas informações e experiências. Até porque a memoria tem um caracter seletivo na medida em que toda a informação é guardada, e um caráter adaptativo - a informação é transformada.
O esquecimento é, então, a incapacidade de recordar, de recuperar dados, informações, experiências que foram memorizadas. Esta incapacidade pode ser provisória ou definitiva.
- Esquecimento regressivo: esquecimento de origem fisiológica relacionado com a degenerescência dos tecidos cerebrais. Ocorre por distorção ou desaparecimento do traço mnésico (ou engrama), devido à passagem do tempo e/ou devido à não utilização dos materiais ( e devido ao envelhecimento).
- Esquecimento motivado: Segundo Freud, existe uma motivação inconsciente: "esquecemos" aquilo que inconscientemente nos interessa esquecer. Freud designou por recalcamento a tendência para evitar inconscientemente a recordação de situações penosas de dor, medo, ansiedade ou angústia. As recordações incómodas são afastadas, reprimidas a nível do inconsciente: a pessoa não é capaz de voluntariamente as evocar.
- Interferências de novas aprendizagens: Ocorre o esquecimento quando as memórias interferem umas com as outras. Distinguem-se dois processos de interferência:
- inibição proactiva - a deterioração dos conteúdos mnésicos é provocada pela interferência de recordações passadas (dificuldade em recordar o novo nº de telefone porque confundo com o anterior);
- inibição retroactiva - provocada pela interferência de novas informações que deterioram a informação passada (não conseguir lembrar o antigo nº de telefone, porque confundo com o novo).